meu eu em tua lírica

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quero sentir o cheiro de teu corpo depois de tomar um banho e caminhar até a esquina de casa. saber dos teus medos bobos de infância, de como era tua cabeça quando nada parecia fazer sentido. fico pensando se, por acaso, a gente teria se encantado de graça se nos cruzássemos na fila de um branco, na roleta de um ônibus, na escada de uma biblioteca, no estresse de um dia quente. imagino se eu não tivesse erguido a cabeça no momento certo, na verdade, houve momento certo? não sei se até o andar apressado do relógio nos último meses foi definitivo para você esbarrar na minha vida, aliás, tenho diversas dúvidas. virou um vício ficar arquitetando outras formas de contar essa história, tirando e colocando vírgulas, recheando os vácuos com adjetivos e sensações. decorei os seus trejeitos, não me gabo por isso, pelo contrário, que mania essa de te observar, te absorver, te fazer diluir em gestos e comportamentos. os teus olhos miúdos encarando o chão quando te lançam uma pergunta, o indicador apertando o antebraço esperando a hora de ir embora do trabalho, da aula, do barzinho.

por que você sempre demonstra que não quer ficar? 
você não vai ficar? 

e você olha para o chão, gagueja, diz não entender, mas, meu bem, não há metáfora aqui ou acolá. por mais que eu muito queira te decifrar, te devorar, ser devorada, você não entrega todas as fichas, não bate a porta com força e, então, me confunde. planta ideias na meu sentido vago, alimenta feras cheias de expectativas, mas insiste em me oferecer o que procurei distraída por todos os cantos. você nunca vai, sempre fica. e coloca a boca na minha mão de leve depois de me fazer rir por quase nada, enlaça três mechas do meu cabelo, seus dedos dançam enquanto entrança minha vontade de mergulhar em ti, voar em ti, encostar meu eu em tua lírica, rima, métrica. canta do outro lado da janela, não deixa eu ouvir a melodia, nem tua voz. me faz querer adivinhar o que o corpo não sente, mas imagina.

você ainda vai querer ir?

não sou corrente, sou correnteza, fica, deixa minha água te inundar, te acarinhar os dedos enquanto sente a força que levita, que dá vida. teus anseios não ficam visíveis à luz do sol nem da meia lua inteira, fala-me da última vez que chorou ou sorriu até achar que iria morrer. deixa eu entender o que te mata pouco a pouco, coloca na mesa o que você quiser me servir, no seu tempo, ao seu gosto. eu degusto, não farei pouco de você, vou te fazer entender porquê enxerguei em ti uma metade que encaixa e soma, mas que é completa por si só. encosta teu peito magro nas minhas costas, deixa minha pele ser rua de areia movediça para tuas mãos pesadas e macias, desliza em mim sem medo de cair, de se perder. se eu estou aqui com você, não há perigo que não seja inventado, tua mente fértil é par para o meu jeito desvairado, que quando acha que chegou ao limite estende o horizonte sem perceber. 

posso abrir caixas e mais caixas de texto para tentar te guardar em palavras, figuras de linguagem ou em qualquer outro grau da sintaxe, mas você é mais, não cabe aqui e nem em lugar algum. desajustado como eu me defini por tempos, cômico eu ter te achado quando você me diz que deixou se perder. absurdo essa minha insistência em querer dominar e não assumir que, talvez, foi você quem me achou, por ventura, em alguma das minhas passadas apressadas ou enquanto meu pensamento me sabotava. e lá vou eu, mais uma vez, voltando para o começo, teimando em recontar uma história sem desfecho, sem saber como se inicia, tendo poucas certezas, muitas perguntas abafadas. você vira a cantiga do rádio do carro e uma toada cantada por um vaqueiro no meio da chapada em um piscar de olhos, você é tudo o que puder e quiser e entendo e quero para mim essa ideia de admirar e tentar te percorrer com todos os sentidos, com todo o corpo e energia que a física jamais viu ser dissipada.  


essa pessoa, se existe, ainda está perdida de mim. era saudade o que eu sentia de escrever um textinho. 

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